2002. Quarto ano do Ensino Fundamental.
O pequeno Matheus vivia uma sexta-feira como qualquer outra na escola, ansioso pela chegada do fim de semana. Isso até que a Professora Alice anunciou um projeto que, para ele, seria como escalar o Everest. Toda a turma iria se dividir em grupos e bolar pequenas peças de teatro, que seriam apresentadas dentro de uma semana para os pais de todos os alunos no palco que ficava no pátio da escola. Tímido e introvertido, Matheus definitivamente não combinava com esse tipo de tarefa. “Por que, prof?”, ele se perguntava. Se só de pensar em falar em público o rapaz já suava e tremia, o que restaria para uma apresentação teatral?
Mas não havia escapatória. O projeto teria de ser feito. Felizmente, Matheus conseguiu se juntar a seus colegas Danilo, Henrique, Lucas e Guga para realizá-lo. Eles eram mais desinibidos, mas se fosse sofrer ao menos não sofreria sozinho. Na tarde de sábado, o grupo se reuniu na casa de Danilo a fim de bolar ideias para a apresentação. Mesmo com a ajuda da mãe de Danilo, não estava fácil pensar em alguma coisa que soasse minimamente interessante para todos. Até que Os Três Patetas entraram em cena.
Matheus e seus parceiros eram, em maior ou menor grau, filhotes da Fox Kids, canal que exibia Os Três Patetas quase todas as noites. Enquanto o grupo pensava em ideias, a TV estava ligada no canal e uma propaganda específica de Os Três Patetas surgia sempre que entrava os comerciais. A propaganda consistia em pedaços do episódio no qual Moe, Larry e Curly trabalham em um salão de beleza e, causando tantas trapalhadas como de costume, acabam fazendo três mulheres ficarem carecas. “É isso que vamos fazer!”, o grupo afirmou em uníssono.
A ideia estava na mesa. Os cinco amigos trabalharam para adaptar a história para algo mais simples e que tivesse, por motivos óbvios, apenas cinco personagens. Além dos papéis dos Três Patetas, a peça teria uma vítima careca e um xerife. O nervosismo de Matheus diante de tudo ainda estava mais do que presente, mesmo com ele obtendo uma pequena vitória ao ficar com o papel do xerife. Por que ele considerou uma “vitória”? Porque era o menor papel da apresentação, com apenas uma cena e três falas. Danilo, Lucas e Guga seriam Moe, Larry e Curly, enquanto Henrique seria a dama vitimizada pelo trio.
Uma cena e três falas. Para muitos, isso poderia ser incrivelmente simples. Para Matheus foi qualquer coisa, menos simples. Aquela única cena e suas três falas consumiram a cabeça do garoto durante toda a semana que precedeu a apresentação. “Não posso errar!”, ele pensava. Além disso, Matheus tinha o hábito de falar para dentro, o que às vezes fazia com que até seus amigos tivessem dificuldade para escutá-lo direito. Ou seja, Matheus sentia que não podia errar as falas e ainda precisava lembrar de pronunciá-las em alto e bom som (sem parecer estar gritando, claro). “Será que eu vou conseguir?”, era a grande questão que permeava sua cabeça.
Chegado o grande dia da apresentação, o nervosismo de Matheus não havia passado. Mesmo com a ajuda de sua mãe, que treinou as falas com ele, o garoto não se sentia seguro. Antes do evento começar com as apresentações de toda a turma, Matheus e seus amigos souberam que seu grupo seria o último a se apresentar. Àquela altura do campeonato será que isso era mais uma pequena vitória? Ou será que era uma extensão do sofrimento? Matheus preferia pensar na primeira opção. Mas sejamos sinceros, seria melhor apresentar logo, como se fosse arrancar rapidamente um curativo.
Após todos os outros colegas se apresentarem e receberem os aplausos do público de pais, parentes e professores, a vez de Matheus e seus amigos chegou. Ele se sentou ao fundo do palco e ali esperou, já que só entrava em cena ao final da peça. Enquanto seus amigos causavam risos do público, Matheus segurava um pequeno papel com suas três falas e recitava elas na cabeça. Em determinado momento, Danilo, Lucas e Guga formaram uma pequena roda envolta de Henrique, para que pudessem colocar com alguma discrição duas meias-calças na cabeça dele para deixá-lo “careca”. Ao revelarem o resultado, levaram todas as pessoas às gargalhadas.
E então chegou a hora. Henrique saiu à procura do xerife. Matheus se levantou de prontidão.
“O que aconteceu?”, Matheus perguntou em sua primeira fala, que saiu de sua boca exatamente como ele queria, em alto e bom som.
“Mataram ele! Mataram ele!”, gritava desesperadamente a dama de Henrique.
“Quem?”, novamente Matheus acertou a fala da maneira que imaginou.
“Meu cabelo!”
Após mais risos do público, Matheus finalizou sua participação. “Não se preocupe, minha senhora. Vamos até o salão resolver tudo isso”. E a peça se encerrou com o xerife correndo atrás dos cabeleireiros fajutos.
Perfeito. Foi dessa forma que Matheus e seus amigos descreveram a apresentação que fizeram. Foi sem dúvida a que mais rendeu risadas entre quem assistia. E depois de tanto se preocupar com sua participação e conseguir realizá-la com certa facilidade, Matheus não sabia se sentia alívio ou satisfação. Mas provavelmente a segunda sensação é mais marcante. Do contrário, ele não lembraria alegremente da apresentação 22 anos depois, nem compartilharia suas lembranças com outras pessoas.
Quem dera Matheus usasse a experiência que teve na escola para encarar outros desafios que surgem naturalmente ao longo da vida. No fim, qualquer passo para fora da zona de conforto continua sendo um Everest, e ele ou não consegue ou simplesmente não tem a coragem para escalar. Matheus poderia aprender com a criança que foi um dia e acreditar mais em si mesmo.
Que bom que ainda há tempo para melhorar um pouco esse aspecto e explorar seu potencial. Não é mesmo, Matheus?